Maria Cristina Lopes Quando a mente está leve a dança flui Psicologia da dança

REFERÊNCIAS:

Arcelus, J., García Dantas, A., Sánchez Martín, M., & Río Sánchez, C. D. (2015). Influence of perfectionism on variables associated to eating disorders in dance students. Revista de psicología del deporte, 24(2), 297-303.

Lopes, M.C. (2019). Curso psicologia da dança: temas e perspectivas. Editora Garcia. Juíz de Fora, MG.


COMO FAZER REFERÊNCIA A ESTE ARTIGO:


Lopes, M. C. (2019, novembro 12). A mente que dança: como os pensamentos podem influenciar na performance de dançarinos [Blog]. Recuperado de: http://www.mariacristinalopes.com/a-mente-que-dan-a--como-os-pensamentos-podem-influenciar-na-performance-de-dan-arinos---psicologia-da-dan-a.html

Gabriela Romão. Jornalista formada pela Universidade de São Paulo (USP), é especializada em escrita científica. Estuda dança desde 2016, com ênfase em modalidades de dança de salão.

Contatos: gabi.r.romao@gmail.com | @romaogabriela

 Comuns ao dia a dia do bailarino, esses pensamentos, se não trabalhados, podem influir negativamente em sua performance. Um dançarino extremamente perfeccionista pode sentir-se despreparado diante de uma apresentação, caso seus ensaios tenham apresentado erros, mesmo que pequenos. Caso o esforço tenha sido grande, e o bailarino tenha a tendência de só ver os pontos ruins de sua performance, isso pode gerar crenças como “sou incompetente”, desmotivando-o a continuar.


O mais grave é que essas distorções cognitivas, se intensificadas, favorecem o surgimento de transtornos como depressão, ansiedade, transtornos alimentares e transtornos obsessivo-compulsivos, tendo impacto não só na carreira do dançarino como em todas as áreas da sua vida. Em 2015, um estudo com 281 bailarinos (Arcelus, Dantas, Sánchez-Matín & Del Río, 2015) demonstrou que os sintomas cognitivos do perfeccionismo estão relacionados a distúrbios alimentares e também à ansiedade do palco.

Tendo em vista esse conhecimento, professores e membros de instituições devem estar atentos para compreender, avaliar e prevenir transtornos no ambiente da dança. Isso inclui ações como a conscientização dos alunos e dançarinos, a realização de reuniões para entender as percepções do grupo e o encaminhamento daqueles que estiverem apresentando intensas distorções cognitivas a um profissional adequado - a psicologia cognitivo comportamental já tem terapias estruturadas para lidar com essas questões. E principalmente, envolve o esforço diário em criar ambientes saudáveis, que não favoreçam o surgimento desses pensamentos - afinal, o indivíduo não é o único responsável por eles.


>> Leia também: O bailarino doente: a relação com o peso, a imagem e a comida.

Maria Cristina Lopes. Sou formada pela PUC-Rio e mestre pela Universidade de Coimbra. Trabalho com a dança desde 2013 e desenvolvi o 1º curso de psicologia da dança do Brasil em 2016. Sou defensora da área de psicologia da dança, atendo bailarinos, ofereço consultoria para escolas e companhias e capacito professores e psicólogos nesta área promissora.

Contatos: mariacristinalopes@gmail.com | +55 21 990922685

mulher de preto dançando feliz

O desempenho físico, o esforço e a técnica costumam ser preocupações constantes no mundo da dança. O corpo ocupa os holofotes das questões a serem desenvolvidas pelo dançarino, deixando nos bastidores uma das principais ferramentas para a sua performance: a mente.

Em estudo publicado em 2011, foi analisada a prevalência de tendências perfeccionistas em 250 dançarinos de ballet clássico e contemporâneo. Deles, 40,59% apresentaram tendências perfeccionistas e 44,35% apresentaram moderadas tendências perfeccionistas (Nordin-Bates, Cumming, Always & Sharp, 2011, como citado em Lopes, 2019). Embora possa parecer normal a esse universo, a busca da inalcançável perfeição pode ter consequências sérias, não só para a performance como para a vida do dançarino.


​Vejamos: no mesmo estudo, imagens mentais negativas como imaginar a si mesmo caindo e pensar em tudo o que ocorreu de errado em uma apresentação eram muito mais recorrentes em bailarinos perfeccionistas. Pensamentos como esses recebem o nome de cognições disfuncionais, e podem ser interpretados no ramo da psicologia como uma construção falha da realidade.

“A psicologia cognitiva é uma abordagem da psicologia que evidencia a importância dos pensamentos (cognições) para o comportamento e emoções. Dentro dessa percepção, não é a situação em si que determina o que as pessoas sentem e como se comportam, e sim o modo como elas interpretam a situação”  (Lopes, 2019).


>> Leia também: A dança como terapia para sintomas de depressão 

A mente que dança: como os pensamentos podem influenciar na performance de dançarinos

mulher de preto dançando feliz

O medo de cair, por exemplo, pode ser associado à crença de que uma situação ruim será terrível ou impossível de suportar. Já o pensamento insistente nos erros pode levar a distorções, como a enfatização dos erros perante os acertos, ou à percepção de tudo ou nada - “minha apresentação foi péssima” (quando houveram apenas alguns erros). 


​As cognições disfuncionais fazem parte do dia a dia do ser humano, e podem ser agrupadas em modelos, chamados de distorções cognitivas. Abaixo, conheça as principais distorções cognitivas identificadas no ambiente da dança:

– Catastrofização: se refere a acreditar que uma situação será ruim ou insuportável. Ex.: Se eu não conseguir esse papel na coreografia, será o fim pra mim.

– Raciocínio emocional: acreditar que sentimentos são fatos. Ex.: Me sinto despreparada, portanto, estou despreparada.

– Pensamento ‘tudo ou nada’: o sujeito só consegue enxergar situações em dicotomias como boa ou ruim, adequado ou inadequado, bela ou feia. Ex.: Não consigo acertar a coreografia inteira nunca (quando só está errando uma parte).

– Abstração seletiva: refere-se a selecionar apenas um aspecto da situação para ser levado em consideração, deixando os outros de lado. Ex: O professor acha que não danço bem (logo após uma correção, esquecendo-se os elogios feitos anteriormente).

– Leitura mental: refere-se ao indivíduo assumir sem evidências que sabe o que o outro está pensando. Ex.: O professor não gostou do meu ensaio (sem ele ter dito nada).

– Rotulação: utilizar um rótulo generalizado sobre si mesmo ou sobre os outros e assumi-lo como única verdade. Ex.: Sou péssimo em giros.

– Minimização/maximização: percepções positivas são minimizadas e as negativas são enfatizadas. Ex.: Dancei bem, mas todos dançam bem.

– Imperativos: pensamentos em formato de afirmações absolutistas de como as coisas, si mesmo ou outras pessoas devem ser. Ex.: Devo ser capaz de lidar com todas as situações.