Maria Cristina Lopes Quando a mente está leve a dança flui Psicologia da dança

Maria Cristina Lopes. Sou formada pela PUC-Rio e mestre pela Universidade de Coimbra. Trabalho com a dança desde 2013 e desenvolvi o 1º curso de psicologia da dança do Brasil em 2016. Sou defensora da área de psicologia da dança, atendo bailarinos, ofereço consultoria para escolas e companhias e capacito professores e psicólogos nesta área promissora.

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*Modelo estrutural da influência dos tipos de perfeccionismo sobre ansiedade do palco, insatisfação corporal, depressão e restrições à comida (adaptado de Arcelus et al., 2015). 

Isso abre uma janela interessante de análise: uma vez que não é a preocupação com os erros que leva, diretamente, à adoção de comportamentos restritivos, e sim o desejo de resultados cada vez melhores (ou a busca da perfeição) e a insatisfação com o corpo, os distúrbios alimentares podem surgir principalmente da crença de que a magreza é a condição estética ideal para ser bem sucedido na carreira da dança. Logo, essa crença teria uma força muito maior do que o real impacto da condição corporal do dançarino em sua performance.

Mas como essa crença é construída? Um estudo australiano (Penniment & Egan, 2011) apontou que a relação entre perfeccionismo e distúrbios alimentares pode ser mediada pelo que chamaram de thinness related learning (TRL), ou aprendizagem relacionada à magreza, em tradução livre. O termo se refere ao nível ao qual o indivíduo é exposto à aprendizagem sobre magreza na sala de aula (Annus & Smith, 2019 como citado em Penniment & Egan, 2011, p. 14), que inclui comentários de professores e pares sobre benefícios de fazer dietas, a comparação entre alunos baseada no peso, entre outras situações parecidas.

A pesquisa envolveu 142 bailarinas de ballet e jazz, e foi certeira: os indivíduos considerados perfeccionistas responderam positivamente às questões sobre distúrbios alimentares, e também sobre aprendizagem relacionada à magreza. O que as pesquisadoras não conseguiram afirmar é se (1) os dançarinos perfeccionistas levavam mais em consideração os comentários relacionados ao padrão de magreza, (2) se estavam mais expostos a eles por se submeterem a treinamentos mais rigorosos, ou (3) se o comportamento perfeccionista é que foi intensificado como resultado da convivência em um meio que enfatiza a magreza como condição estética ideal na dança. Ou talvez as três hipóteses estejam corretas?

“Se eles [dançarinos] aplicam grandes níveis de perfeccionismo à dança e ao biotipo corporal, então a pressão sociocultural pela magreza inerente à profissão da dança, combinada com expectativas de performances melhores, produzem o clima social perfeito para o desenvolvimento de distúrbios alimentares” (Garner & Garfinkel, 1980, como citado em Penniment & Egan, 2011, p. 13).

De qualquer forma, os resultados de tantos estudos acendem um alerta: não só a abordagem de aspectos físicos, dietas e imagens corporais deve ser feita com cuidado nas instituições, como tem de vir acompanhada de uma atenção maior sobre as condições mentais do indivíduo a respeito de seu próprio desenvolvimento na dança. Professores devem estar atentos aos comportamentos de seus alunos, bem como avaliar de que forma a condução de suas aulas influencia a percepção dos alunos sobre si mesmos e sobre o universo da dança.


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Diversas pesquisas científicas apontam que dançarinos - em especial do sexo feminino - formam um grupo de alto risco para o desenvolvimento de distúrbios alimentares. Uma delas, inclusive, mensura esse risco: segundo os dados, dançarinos teriam três vezes mais chances de sofrer de distúrbios alimentares do que os não-dançarinos, particularmente anorexia nervosa e outros distúrbios não específicos (Arcelus et al., 2015, p. 297).

O simples fato de aprender a dançar, porém, não é explicação por si só para o desenvolvimento de problemas relacionados à alimentação. O desafio dos pesquisadores tem sido, nos últimos anos, encontrar as causas e vivências responsáveis por esse tipo de comportamento no mundo da dança, e buscar formas de prevení-lo.

A literatura no assunto já identificou uma forte relação dos distúrbios alimentares com outra condição clínica bastante presente em dançarinos: o perfeccionismo. Nesta esteira, um estudo espanhol (Arcelus, Dantas, Sánchez-Matín & Del Río, 2015) que incluiu 281 dançarinas (do segmento do ballet clássico, contemporâneo, flamenco e uma modalidade de dança local) não só confirmou essa relação, como também buscou entender como ela se desenvolve.


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A pesquisa levou em consideração dois dos principais elementos do perfeccionismo: os padrões pessoais (Personal Standards, ou PS) e a preocupação com os erros (Concern over Mistakes, ou CM).  

Os padrões pessoais (PS) dizem respeito a uma motivação interna para buscar e alcançar resultados cada vez melhores ou mais desafiadores. Já a preocupação com os erros (CM) envolve, muitas vezes, ruminação, necessidade de aprovação e, é claro, o medo excessivo dos erros.

Os resultados são curiosos: embora ambos os elementos tenham uma correlação positiva com o desenvolvimento de distúrbios alimentares, as vias para o seu surgimento são diferentes. Enquanto pessoas com comportamentos predominantemente ligados à PS - ou seja, à motivação de ter sempre um melhor resultado - têm uma relação direta com a adoção de dietas restritivas, pessoas com comportamentos ligados à CM desenvolveram outros problemas, entre eles a ansiedade, depressão e insatisfação com o corpo - sendo que apenas este último estava diretamente ligado à restrição de comida.

Distúrbios alimentares na dança: o perfeccionismo e a influência do meio

mulher de preto dançando feliz
mulher de preto dançando feliz

REFERÊNCIAS:

Arcelus, J., García Dantas, A., Sánchez Martín, M., & Río Sánchez, C. D. (2015). Influence of perfectionism on variables associated to eating disorders in dance students. Revista de psicología del deporte, 24(2), 297-303.

Lopes, M.C. (2019). Curso psicologia da dança: temas e perspectivas. Editora Garcia. Juíz de Fora, MG


Penniment, K. J., & Egan, S. J. (2012). Perfectionism and learning experiences in dance class as risk factors for eating disorders in dancers. European Eating Disorders Review, 20(1), 13-22.
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COMO FAZER REFERÊNCIA A ESTE ARTIGO:


Lopes, M. C. (2019, dezembro 9). Distúrbios alimentares na dança: o perfeccionismo e a influência do meio [Blog]. Recuperado de: http://www.mariacristinalopes.com/dist-rbios-alimentares-na-dan-a--o-perfeccionismo-e-a-influ-ncia-do-meio.html

Gabriela Romão. Jornalista formada pela Universidade de São Paulo (USP), é especializada em escrita científica. Estuda dança desde 2016, com ênfase em modalidades de dança de salão.

Contatos: gabi.r.romao@gmail.com | @romaogabriela