Foi um processo de estudo em que percebemos que a dança não é apenas uma linguagem corporal, ela é também um meio de cura e tratamento psicológico. Desenvolvi as aulas com Gabriela em cima de suas limitações e fraquezas. Percebi que seus movimentos estavam bloqueados pois, sua autoestima estava afetada negativamente na sua totalidade. Os seus gestos foram aflorando a partir do momento em que a ela foi verbalizando através de uma linguagem corporal simples, mas trazendo uma carga emocional muito intensa nos movimentos. O processo teve a duração de um ano, com Gabriela relatando toda sua vivência e suas expressões corporais. Conclui através desse trabalho, que a paralisia cerebral e suas limitações não passavam de um bloqueio que ela tinha com ela mesma.

Desenvolvi uma trilha sonora que refletisse a vida de Gabriela. Ela utilizava a técnica de improvisação e aos poucos fui notando que a dança estava sendo uma terapia, e que suas limitações estavam se ampliando em movimentos. Ao estimular a Gabriela, o outro lado do cérebro que estava apagado, foi acordado.

pessoa em cadeira de rodas
gabriela dançando em cadeira de rodas com mateus

Hoje Gabriela tem seu registro como profissional da dança, desenvolveu um espetáculo inteiro relatando a sua vida através da dança, saiu da cadeira de rodas e conseguiu andar. Sua fala é muito melhor, sua aceitação como deficiente física é extremamente surpreendente. Ela encara sua deficiência como um presente que a vida lhe deu, e que a cada aula ela desenvolve mais suas habilidades e confiança.

Como profissional da dança e com este trabalho pude observar que a dança vai muito além da técnica e da teatralidade. A dança, vinda da simplicidade da alma, do despertar no outro o olhar para o mundo de uma forma diferente, da descoberta corporal trouxe-me o entendimento de que minha limitação está escondida nos meus pensamentos e a verdadeira dança brota do querer descobrir-se sempre, pois ela nos faz entender quem somos e aceitarmos nossos defeitos. Curar se é sinônimo de dançar, pois não há momento mais sublime e verdadeiro do que aquele em que dançando esquecemos a pressão diária, os nossos problemas. Dançar sem medo de cair, ou errar. Dançar é saber que o resultado de todo o trabalho, é construído diariamente na sala de aula, é construído no olhar para o aluno além de seus potenciais e limitações, é entender seus bloqueios e fazer da melodia um caminho leve e consciente para seu aluno.

Ensinar é entender que a dança é a cura para todos os nossos problemas, eis o grande segredo das nossas limitações. Quando entendemos que quem dança sente-se livre e sem pressões psicológicas, é nesse momento que nos trancamos no quarto e colocamos uma música e não temos mais medo de ser quem somos. Passamos a observar nossa dança como meio de salvação de vidas, deixamos às vezes de lado a metodologia e colocamos uma música para que  nossos alunos, deixem-se voar e sentir a pulsação. Deixamos que eles entendam que a dança só é construída artisticamente, através da verdade que trazem dentro de si, e que tudo que for agregado é apenas um fator técnico, pois o que reluz num palco, é a alma de ser artista.


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Referência: Carolina Souza Fotografia

O projeto Dançando Sobre Rodas nasceu das minhas aulas na Eloo Escola de Dança na cidade de Taubaté-São Paulo, para Gabriela Carvalho, 32 anos, portadora de paralisia cerebral. Sentimos a necessidade de mostrar o que estávamos trabalhando para as outras pessoas que possuem algum tipo de deficiência física. Então começamos a postar vídeos das aulas na nossa página no facebook, Dançando sobre Rodas, e isso ajudou as pessoas não somente na parte da movimentação corporal, mas também na parte psicológica. O projeto foi se desenvolvendo até criar seu primeiro espetáculo, Between.

A minha grande preocupação criando o Between foi mostrar às pessoas o quanto todos nós somos deficientes e o quanto a deficiência não é só física mas psicológica também. O trabalho feito com a bailarina Gabriela Carvalho, é muito mais que um espetáculo sobre uma cadeirante. Comecei a pensar em sua totalidade, em expandir a arte de dançar para outras pessoas e mostrando a superação e apontando deficiências que o ser humano não consegue enxergar.

O projeto Dançando sobre Rodas foi mais que um estudo corporal através da metodologia Laban, foi nossa maneira de entendermos o corpo e nossa técnica, para adaptarmos a linguagem contemporânea às duas rodas. Claro que houve tombos, torsões e lesões, mas tudo isso fez com que crescêssemos e confiássemos um no outro.


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Quer aprender a dançar melhor, criar metas, diminuir a ansiedade e se sentir melhor?

Projeto dançando sobre rodas

Mateus Vasconcellos. Bailarino e Professor de dança inclusiva. 
Contato: 12992050934

Maria Cristina Lopes Quando a mente está leve a dança flui Psicologia da dança