Maria Cristina Lopes Quando a mente está leve a dança flui Psicologia da dança

Por último, outro tema recorrente em investigação em psicologia da dança é a prevalência de certos transtornos em bailarinos, em especial, transtornos alimentares. Neste caso já há maior respaldo científico, por esta razão selecionamos um artigo sobre este tema, onde Ringham et al., 2006 estudaram a prevalência de transtornos alimentares em 29 bailarinos. Muitos participantes apresentaram comportamentos compensatórios e de purgação. Bailarinos, de forma geral, apresentaram atitudes e comportamentos similares aos sujeitos com transtornos alimentares. A maioria dos sujeitos apresentaram transtornos alimentares. A partir destes dados o estudo comparativo indica uma alta prevalência de transtornos alimentares em bailarinos.

Diante das perspectivas apresentadas podemos concluir que a dança é um instrumento de melhoria da qualidade de vida em pessoas entre os 20 e 57 anos, seja de um olhar pessoal (timidez, felicidade) ou social (relações interpessoais). A dança também pode ser utilizada como terapias para grupos específicos onde haja uma necessidade de intervenção para que sejam trabalhadas demandas corporais, como em grupos de mulheres que sofrem abuso sexual e que carregam consigo uma enorme carga negativa sobre o próprio corpo. Apesar disso, é evidente que em populações de bailarinos há prevalências de transtornos alimentares e que profissionais que lidam com alunos de dança e bailarinos devem estar atentos aos sinais relacionados à alimentação e imagem corporal.

Desta forma, a dança foi benéfica em diversos setores da vida do sujeito. Foram perceptíveis as melhoras de aspectos pessoais, como, timidez, melhor posicionamento perante aos outros, maior disposição física, felicidade, melhora de autoestima. Além da melhora do corpo e da mente os sujeitos também relataram a obtenção de cultura e educação. Os benefícios por integrar o grupo de danças populares relatados pelos participantes também se referiram a relações interpessoais.

“é a relação grupal, na forma como se apresenta hoje, o grande propiciador de efeitos terapêuticos percebidos pelos integrantes, e não a situação artística isoladamente. A arte da dança ocupa um lugar modesto na busca de identificação da presença de um valor terapêutico dentro do grupo em questão.” (de Lima & Abreu, 2011, p.46).

Outro interesse comum da área de psicologia da dança é compreender de que forma a dança pode auxiliar populações específicas. Este foi o interesse de Mills e Daniluk (2002) ao explorar os efeitos de terapias de dança em mulheres que sofreram abuso sexual enquanto crianças. As autoras partem do pressuposto de que traumas físicos são melhores acessados através de estratégias corporais. Os participantes foram 05 mulheres entre 25 e 48 anos, com média de idade de 39 anos. Uma participante era solteira, uma divorciada e outras três casadas. Pelo caráter exploratório as entrevistas foram abertas com duração média de uma hora e meia e focadas nas experiências subjetivas dos sujeitos.

Assim, para a compreensão desse grupo especifico, seis temas principais surgiram (Mills e Daniluk, 2002). O primeiro foi reconnection with their bodies (sentimentos negativos associados ao corpo levaram as participantes a se reconectar com seus corpos e passar pelo processo de aceitação e autocontrole dos mesmos). O segundo tema que surge a partir da análise dos dados foi permission to play (o trabalho feito durante as sessões tiveram momentos de descontração e brincadeiras o que levou à percepção de que é possível usar o corpo de forma leve). O terceiro tema foi sense of spontaneity (a espontaneidade é um aspecto chave de terapias de dança o que permitiu às participantes sentirem o movimento como livre, natural, autodeterminado e não forçado além de sentirem um aumento da espontaneidade ao longo das sessões).

Já o quarto tema se refere o desconforto a partir do envolvimento com terapias de dança. Este tema foi sense of struggle (lidar com uma nova forma de terapia, com o movimento livre e com as memórias trazidas a partir do movimento foi encarado com dificuldade, desconforto e apreensão apesar de acreditarem que estes mesmos fatores as ajudaram a lidar com seus traumas). O tema seguinte refere-se à conexão com o grupo e o outro: sense of intimate connection (a experiência trouxe uma sensação de conexão com o outro através do movimento e gestos e perceberam nesta intimidade um suporte emocional e físico). O último tema foi sense of freedom (a liberdade de escolha e o controle sobre o processo e seus corpos foram percebidos a partir da dinâmica das atividades além da liberdade de se expressar através do movimento).

A expressão autêntica de si mesmas através do movimento foi uma das principais questões relatadas pelas participantes como positiva. Sair do processo mental e de fala e usar o movimento como alternativa em direção a cura e como forma de se reconectar com seus corpos também foi relatado como positivo. O grupo também trouxe aspectos relevantes para o processo de terapia, desde presenciar o movimento e expressão do outro até conexão com o outro e suporte, apesar do grupo também trazer certa vulnerabilidade para a expressão individual. Os autores concluem que há demandas corporais que devem ser incluídas no processo de psicoterapia regular (Mills e Daniluk, 2002). A ressignificação do corpo e sua relação com ele pode ser trabalhada através de terapias de dança.


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bailarina dançando bem-estar

A psicologia da dança possibilita a compreensão do papel da dança como instrumento de melhoria da qualidade de vida em diversas dimensões da saúde, seja mental, corporal e outros. Esse tema chama atenção de alguns pesquisadores, como de Lima e Abreu (2011) que fizeram um estudo exploratório com o intuito de estudar o papel das danças populares brasileiras como instrumentos terapêuticos.

Os autores investigaram participantes de grupo de danças populares. As danças praticadas no grupo foram o Jongo, o Cacuriá, o Baralho, o Coco, a Ciranda, o Congo, dentre outras. O estudo foi feito com 18 integrantes (15 mulheres e 3 homens) entre 20 e 57 anos. A idade média do grupo foi de 32 anos (de Lima & Abreu, 2011).

Estudar a dança como instrumento terapêutico possibilitou aos autores concluir que os ganhos a partir da entrada dos sujeitos nos grupo foram relatados a partir de modificações internas - “estar mais desperto, perda da timidez, melhor posicionamento perante os outros, sentir­-se com mais atividade e mais feliz, senti-se importante como pessoa, fortalecimento de autoconfiança” (de Lima & Abreu, 2011, p.44) -, ampliação do conhecimento; modificação na relação com as pessoas e modificações do aspecto artístico. Apenas 2% dos participantes não perceberam mudanças. O valor dado ao grupo pelos participantes foi especialmente relatado pela aquisição cultural e pela aquisição de informação, educação e lazer. A relação com o grupo, o movimento, a música, a percepção de mudanças internas e a possibilidade de esquecer os problemas foram os fatores associados ao valor terapêutico. (de Lima & Abreu, 2011).

REFERÊNCIAS:

de Lima, D. M., Abreu, N., & Neto, S. (2011). Danças brasileiras e psicoterapia: um estudo sobre efeitos terapêuticos. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 27(1), 41-48.

Mills, L. J., & Daniluk, J. C. (2002). Her body speaks: The experience of dance therapy for women survivors of child sexual abuse. Journal of Counseling & Development, 80(1), 77-85.

Ringham, R., Klump, K., Kaye, W., Stone, D., Libman, S., Stowe, S., & Marcus, M. (2006). Eating disorder symptomatology among ballet dancers. International Journal of Eating Disorders, 39(6), 503-508.


COMO FAZER REFERÊNCIA A ESTE ARTIGO:


Lopes, M. C. (2018, março 26). Efeitos da dança: bem-estar e transtornos | Psicologia da dança [Blog]. Recuperado de: http://www.mariacristinalopes.com/investiga--es-sobre-os-efeitos-da-dan-a--bem-estar--ressignifica--o-do-corpo-e-preval-ncia-de-transtornos-em-bailarinos.html

Efeitos da dança: bem-estar e transtornos | Psicologia da dança

Maria Cristina Lopes. Sou formada pela PUC-Rio e mestre pela Universidade de Coimbra. Trabalho com a dança desde 2013 e desenvolvi o 1º curso de psicologia da dança do Brasil em 2016. Sou defensora da área de psicologia da dança, atendo bailarinos, ofereço consultoria para escolas e companhias e capacito professores e psicólogos nesta área promissora.

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