Maria Cristina Lopes Quando a mente está leve a dança flui Psicologia da dança
maria cristina lopes psicóloga da dança

A escola ocupa grande parte da duração da adolescência e se preocupa com uma destas tarefas: a formação do adolescente. Porém, o modelo de escola não permite que o adolescente explore possibilidades para o seu projeto de vida e em muitos casos é focada no modelo de entrada na formação superior. Por isso, a escola pode ser uma instituição onde o adolescente busca dar conta de uma das tarefas: a formação. As outras tarefas da adolescência parecem ser negligenciadas e ao fim do período escolar o adolescente ainda está no início do processo de busca por independência e autonomia, podendo vir a ser um adulto frustrado por não ser emocionalmente autônomo e não conseguir definir um projeto de vida. Neste sentido pais e escola precisam buscar outros meios para o desenvolvimento saudável do adolescente. A dança pode ser uma das formas de busca pela autonomia e desenvolvimento do projeto de vida.

A dança possui uma característica importante que é o formato grupal. Esta formato auxilia na criação de vínculos que é necessária em especial para o adolescente que busca se descobrir e esta descoberta nasce no contato com o outro. Ou seja, o sujeito se define a partir do seu contato com o outro. O movimento também é um formato de expressão pouco explorado em muitos modelos de sociedade. Apesar disso, é uma excelente forma de expressão para o sujeito adolescente que ainda está no processo de autodescoberta. O movimento permite a expressão de sentimentos com os quais os adolescentes não sabem lidar de antemão. Portanto, o movimento não permite somente a expressão, mas também a elaboração e regulação destes sentimentos.

Além da criação de vínculos e do formato de expressão através do movimento impulsionarem a autodescoberta e a expressão de si estes também vão ajudar o adolescente no seu papel principal ao longo da juventude: a independência. Isso ocorre através não somente da expressão pura e simples, mas da produção de apresentações que conferem autonomia e da possibilidade de testar a si mesmos no papel de bailarino o que desenvolvem a percepção de si mesmos no futuro profissional. Ou seja, o adolescente desenvolve a autonomia e projetos de vida a partir da dança. Desta forma, a dança pode auxiliar neste processo de independência, expressão de si e criação de vínculos.

Em estudo fenomenológico com participantes de grupo de dança de rua Miranda e Cury (2010) buscaram compreender a vivência da dança para adolescentes. As autoras ressaltam que para algumas pessoas o ensaio é menos importante para o processo de adolescer que o “brincar de dançar” com os colegas em momentos de descontração fora do horário da aula. Ainda, a definição do seu estilo pessoal pode ser promovida através da dança. A dança parece funcionar como reguladora das emoções e como forma de expressão destas emoções, assim como demonstrado nestes trechos de entrevistas desta pesquisa:

“Na dança extravaso, coloco tudo para fora. Se chego aqui triste, danço de um jeito que saio mais leve, melhor depois (...)A dança me deu postura e com ela eu posso me expressar. Posso ficar comigo mesma e saber como estou e, se estou com raiva, triste ou brava, quando danço, eu coloco tudo isso pra fora e deixo lá. Saio melhor do que antes (...)Para mim, dançar está sendo bom por causa da vergonha. Antes eu não estaria aqui falando com você assim sobre isso. Eu ficava mais quieto e deixava os outros falarem. Agora eu falo e fico mais (pensa) é... como vou dizer... ficou mais fácil de falar o que a gente pensa.” (Miranda & Cury, 2010,  p.394-395).

Miranda e Cury (2010) também ressaltam a importância do outro neste processo de independência, não apenas pela criação de vínculos fora do ambiente familiar, mas também pelo olhar destes sobre a produção do adolescente na dança. “o olhar atento da platéia e dos colegas da escola, de dentro e de fora do grupo de dança, dos familiares que vinham apreciar as apresentações, do professor exigente, mas cuidadoso e presente, são exemplos de experiências nas quais os adolescentes puderam não apenas se sentirem vistos, mas, principalmente, reconhecidos em sua pessoalidade” (Miranda & Cury, 2010, p.396).

Desta forma, a dança é significativa no processo de adolescer. Obviamente as questões e tarefas do adolescente estarão presentes nos contextos em que ele estiver inserido. Porém, é interessante notar que a dança não é apenas pano de fundo na fase da adolescência e parece ter um papel importante e colocar o adolescente como protagonista do seu processo de adolescer. “A travessia ao mundo adulto permeou a experiência dos adolescentes com a dança. (...) Dançavam enquanto adolesciam e adolesciam enquanto dançavam.” (Miranda & Cury, 2010, p.398).

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adolescentes em aula de dança

O primeiro e mais importante ponto para compreendermos por que a dança é importante para o adolescente é a definição de adolescência. A maturação biológica parece constituir o ponto de partida, o início da adolescência. “É um período do desenvolvimento situado entre a infância e a idade adulta, que possui um ponto de partida biológico e um ponto de chegada definido pela cultura” (Claes, 1985, p.49). Ariès defende que na Europa pré-industrial não havia distinção entre infância e adolescência e somente ao fim do século XIX surgiram preocupações com esta etapa (Claes apud Ariès, 1985, p.12). “Os historiadores estão de acordo em que a adolescência, tal como nós a conhecemos hoje, nasceu com a Revolução Industrial” (Claes, 1985, p.16).

O fenômeno que possibilitou a adolescência foram as mudanças econômicas e sociais. Hoje a educação (ou formação profissional) ocupa um longo período que pode corresponder à duração da adolescência. O mesmo processo ocorre à dependência financeira. Portanto, algumas das tarefas da adolescência serão: a formação profissional, construir um projeto de vida, a busca por independência financeira, criação de vínculos fora do ambiente familiar e a autonomia (psicológica e emocional). Adolescer é um processo doloroso e de encontro com a sua individualidade.


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Maria Cristina Lopes. Sou formada pela PUC-Rio e mestre pela Universidade de Coimbra. Trabalho com a dança desde 2013 e desenvolvi o 1º curso de psicologia da dança do Brasil em 2016. Sou defensora da área de psicologia da dança, atendo bailarinos, ofereço consultoria para escolas e companhias e capacito professores e psicólogos nesta área promissora.
Contatos: mariacristinalopes@gmail.com | +55 21 990922685

REFERÊNCIAS:


Claes, M. (1985). Os problemas da adolescência. Lisboa: Editorial Verbo.

Miranda, R. M. R., & Cury, V. E. (2010). Dançar o adolescer: estudo fenomenológico com um grupo de dança de rua em uma escola. Paidéia, 20(47), 391-400.


COMO FAZER REFERÊNCIA A ESTE ARTIGO:


Lopes, M. C. (2018, abril 4). A dança ajuda o adolescente a desenvolver autonomia e independência: a dança no processo de adolescer [Blog]. Recuperado de: http://www.mariacristinalopes.com/a-dan-a-para-adolescentes-previne-estresse--depress-o-e-ansiedade-.html

A dança ajuda o adolescente a desenvolver autonomia e independência: a dança no processo de adolescer.