Maria Cristina Lopes Quando a mente está leve a dança flui Psicologia da dança

Aulas de ballet clássico na grade extracurricular, festas juninas, apresentações de final de ano… A dança nas escolas no Brasil costuma estar inserida em momentos muito específicos do desenvolvimento do aluno, geralmente como forma de recreação ou como parte de eventos culturais ou protocolares desses ambientes. Mas será que este é o papel mais relevante que esta atividade pode ter na formação das crianças?

Para Carneiro (2022), não. Segundo a autora, que é bailarina e pedagoga, a forma como a dança está inserida nas escolas atualmente não explora todos os benefícios que a prática pode trazer para o desenvolvimento global do indivíduo. Mais do que isso, não contempla a forma como documentos oficiais normativos e/ou referenciais como a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) já enxergam o papel da dança para a formação dos alunos.

“[...] o objetivo da escola com aquela aula é apenas de ocupar o tempo ocioso das crianças, liberar a energia acumulada dos estudantes para eles seguirem disciplinados na grade curricular básica, ter um grupo que irá agradar os pais com apresentações em festas e comemorações escolares, e entre outros argumentos que colocam a dança como recreação e sem valor formativo” (Carneiro, 2022).

Para a autora, quando falamos em educação, estamos pensando em que sociedade futura esperamos formar. E o ensino atual ainda é dicotômico, privilegiando a razão e a ordem em detrimento de uma visão global do indivíduo, que compreenda que o mesmo corpo que lê e escreve é o que pula, dança, se expressa. Esse perceber e sentir ficam em segundo plano, mas são aspectos com que os indivíduos terão que lidar ao longo de toda a sua vida, de forma que o desenvolvimento proporcionado pelas escolas hoje se mostra incompleto.

O ensino da dança em escolas: incluir na grade curricular não é o suficiente

Ainda segundo Carneiro (2022), a dança é um espaço de reflexão sobre valores humanos, autoestima, limites entre o eu e o outro, respeito e questões psicológicas que muitas vezes não têm espaço em outros momentos escolares. Além disso, é preciso considerar que a escola é um espaço de aprendizagem, e que o próprio aprender leva a criança a questionar a si mesma e sua visão de mundo; o autoconhecimento proporcionado pela dança ajuda a tornar mais prazeroso e menos confuso o processo de adquirir conhecimento.

Dentro dessa visão, a autora defende, inclusive, que o ensino da dança nas escolas pode e deve diferir de outros ambientes.

“[...] o foco não está na forma, nos movimentos ou nos conceitos de certo e errado, mas na compreensão de si e do mundo. Apesar de a dança ser um fim em si mesma, ela pode ser usada como ferramenta para início do conhecimento do ritmo interno, entendimento do corpo, incluindo seus limites, suas dores e seus prazeres. Esperamos formar cidadãos autônomos, que tomem decisões sobre si e sobre a sociedade” (Carneiro, 2022). 


Além disso, ela ressalta que a dança é coletiva, e assuntos com os quais a escola formal tem receio de engajar - a ludicidade, agressividade, sexualidade e transcendência - podem ser tratados com naturalidade dentro desse espaço. Ela pontua ainda que estas serão questões com as quais os seres humanos inevitavelmente se depararão ao longo da vida e prepará-los para lidar com elas é de extrema importância para a formação do indivíduo.

Gabriela Romão. Jornalista formada pela Universidade de São Paulo (USP), é especializada em escrita científica. Estuda dança desde 2016, com ênfase em modalidades de dança de salão.
Contatos: gabi.r.romao@gmail.com | @romaogabriela

Para Carneiro, o desafio realmente está na implementação da dança dentro das escolas, já que:

“A história das instituições escolares é marcada por disciplinamento, ordem, treinamento e " maquinização''. A escola cria um corpo pronto para o trabalho em uma sociedade capitalista, que não tem espaço para vivências individuais e realidades únicas” (Carneiro, 2022)

Vale pontuar que documentos oficiais como a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) já contemplam a dança com um papel maior na educação, que vai muito além da estética e da recreação. Nas palavras da autora, já existe uma compreensão teórica da importância e do papel que a dança pode desempenhar nas escolas, mas um grande caminho a ser percorrido na prática: não basta incluir a dança na grade curricular, é preciso ter a intenção real de formar alunos e alunas através da dança. 


REFERÊNCIAS


Carneiro, N. (2022). O ensino de dança nas instituições de ensino básico. Em Temas em Psicologia da Dança: ensaios acadêmicos, p. 85-94.

COMO FAZER REFERÊNCIA A ESTE ARTIGO: 

Lopes, M. C. (2022, novembro 30). O ensino da dança em escolas: incluir na grade curricular não é o suficiente. [Blog]. Recuperado de: https://www.mariacristinalopes.com/o-ensino-da-dan-a-em-escolas--incluir-na-grade-curricular-n-o---o-suficiente.html

Maria Cristina Lopes. Sou formada pela PUC-Rio e mestre pela Universidade de Coimbra. Trabalho com a dança desde 2013 e desenvolvi o 1º curso de psicologia da dança do Brasil em 2016. Sou defensora da área de psicologia da dança, atendo bailarinos, ofereço consultoria para escolas e companhias e capacito professores e psicólogos nesta área promissora.

Contatos: mariacristinalopes@gmail.com | +55 21 990922685